segunda-feira, 25 de março de 2013

Inconsistências.

- Tua visita me faz bem. Me sinto querida...

 - E porque pensas que ...
 - Vi tua luz acesa outro dia...
 - Você sabe que temos aqui nesta minha cidade por volta de seiscentos e quarenta e três mil habitantes? Se multiplicar isto por pelo menos três pessoas em cada residência poderíamos ter mais de um milhão de possibilidades. Poderia ser qualquer luz acesa em qualquer uma destas janelas. Acredite!
 - Mas era a sua, eu sei ( ou penso que sei), e fiquei feliz. Sempre fico. Nada de mais. Coisa simples assim como um sorriso que gruda ali no rosto por alguns momentos. Só isto, porque só isto é. E não te faz bem pelo menos saber que tua presença, apenas isto, faz bem a alguém?!!
 - Nunca é apenas isto.
 - Uma vez alguém ponderou se não seria melhor deixar os tristes entregues à sua tristeza, e os tolos às suas tolices. Sem envolvimentos, sem compromissos, nada pessoal mesmo para aqueles que convivem o dia a dia. Tantos vivem assim...
 - Já estás divagando. Não tem sentido. É ilusão que não se deve alimentar.
 - Sôbre ilusão, é claro, depois que, como num passe de mágica, alguém tira da cartola o coelho, então conta-se aos que se encantaram que tudo não passou de ilusão. E tudo é ilusão, já diziam desde sempre os pensadores, filósofos, religiosos, de muitas e diferentes formas. Será que existiu, de fato, o mágico ou éramos nós que precisávamos encantar nossas almas e, por isto, acreditamos e o aplaudimos? Quem nos fez levantar a cabeça e sorrir, então? Aquele que, com sua magia nos devolveu a fé por alguns momentos, ou nossa necessidade de sobrevivência? Ah, e o sentido? Talvez não seja apenas o sentido ou a falta dele, mas o que as coisas e pessoas representam para uns e outros. E do mais, você conhece o sentido? Sabe o significado da tua vida, do que sentes, das tuas perdas, daquilo que vês bem à frente do teu nariz? E os intelectuais que tantas palavras dizem e brincam com elas tantas vezes, e sabem da falta de nexo em tudo deste mundo pretensiosamente realista, conhecem o sentido ou ainda estão à procura dele?
 - Chega, assim não venho mais! Não estou dizendo que vim, apenas considerando que pensas que sou eu. A menos que compreendas a realidade das coisas eu... Sabe, poderia provar-te que estás enganada.
 - Já provou. Está bem. A razão aparentemente venceu e não quero ficar sem esta pequenina e frágil luz que me visita, mas não existe. E não me proves nada, nem com teu silêncio que já não me provou coisa alguma, nem com tuas palavras que mostravam a possibilidade de teus delicados sentimentos que a razão fez questão de classificar e agora, querem me ensinar como interpretar o que vi, li, ouvi. Ainda não sabes que para mim, o sentido está em sentir o mundo como o vejo em cada momento, não em saber dele as verdades inconsistentes e mutantes? Ah, sim! meu olhar é capaz de flexibilizar-se com o movimento da vida, mas grava na memória o sentimento do que quero preservar, quase intacto, deste mundo. Como uma foto, como um clic! Prefiro-o assim. Aliás, mais sorrisos eu quisera ver no meu rosto, e no teu, e no de tantos que envelhecem como nós sem conhecer o sentido de tantas coisas, mas preferindo vivê-las, mesmo assim...
  - Ah, mais uma última coisa... abraço-te, a ti que não mais existe, com tudo que já não sou.
Texto e foto: Vera Alvarenga




Nada pessoal...

Estavam sentados, lado a lado, quietos, olhando para um horizonte onde o sol começava a se esconder.
 Ele tinha um segredo. Ela também. E não falavam a respeito. Assim tinham combinado. Este fora o acordo desde que se conheceram. Bastava o presente, os outros e tudo o mais ficariam no passado e longe daquela ilha. Cada um deles se mantinha numa ilha menor, dentro daquela em que habitariam juntos. Não eram amantes, apenas dois que um dia se encontraram e decidiram conviver, e então, o acordo parecia perfeito.
  Parecia perfeito até a noite anterior em que perceberam que a convivência, de um jeito ou outro, fora abrindo brechas por onde, agora, entrava luz no quarto em que antes cada um, solitário, sentia-se protegido e confortável.
  Ela, tinha o olhar no horizonte, cheio de esperança. Ele, olhava para o sol que morria, sem esperança nenhuma. Ela colocou sua mão sob a dele. Desejava amá-lo, para sempre. Ele, aceitou o carinho, e porque já a amava, queria protegê-la. E pensava, neste momento, como fora bom conhecê-la. Apesar do medo que agora sentia de morrer, a presença dela trouxera vida e alegria para o tempo que lhe restava. Como poderia retribuir-lhe? O que poderia dar-lhe de si mesmo, se tão pouco tempo teria para ser o que era, o que desejava ser com ela? Talvez o sonho dela - sentir-se segura - isto poderia, em parte, fazer por ela. Estava resolvido, então lhe deixaria um presente, na gaveta da cômoda... Era a melhor sensação que sentia nos últimos anos. Era como podia amá-la, e amor é coisa boa de se sentir. Amar, era a melhor coisa que podia lhe ter acontecido antes de ter de partir... e aqueles foram os seus melhores dias.
  Na manhã seguinte, ela o encontrou mais quieto do que o costume. Queria dizer-lhe tantas coisas, queria beijá-lo e falar de seu amor por ele. Trouxe-lhe o café, mas ele não acordou.
  Depois de muito tempo em que ficou abraçada a ele, ao pegar um lençol para cobrí-lo, encontrou o testamento...deixava-lhe a cabana, naquela ilha, onde ela poderia sentir-se segura. Sorriu agradecida, lembrando como ele sabia ser gentil e terno... mas o que ela mais queria, não estava mais lá...

   Ah! este filme faz a gente pensar no amor sereno que chega lento e claramente ilumina tudo, no amor que nasce da solidão ou da necessidade de cada um, que a gente quer infinito, no amor que a gente não tem tempo de viver ou demonstrar, ou no amor que a gente tem e perde, naquilo que é o que a gente mais queria e está no outro, mas o outro não sabe ou não pode nos dar...

Texto/resumo : Vera - baseado no filme - "Nada pessoal" .
Foto: "Mãos"- Marcos Santos-USP Imagens.

segunda-feira, 18 de março de 2013

Eu e Veríssimo no Hospital !

  Eu conhecia apenas o pai. Ele não. Sinto muito, não tinha tido oportunidade, nem tempo enquanto trabalhava de domingo a domingo na cerâmica.
E, nas horas de folga outros problemas ou tarefas ocupavam meu tempo. À noite? muitas vezes em sonho, eram as novas idéias para os desenhos e relevos nas peças de artesanato que me povoavam a mente.
  Até um dia em que voltei a ter um tempinho... comecei a escrever e um amigo me falou dele. Curiosa, quis conhecê-lo. Ultimamente estamos sempre juntos. Na sexta-feira inclusive, foi comigo ao hospital, levar a nora que estava com uns sintomas... não sabíamos de que.
  Com ela tudo bem. Foi logo atendida, eram sintomas de uma virose. Foi medicada, no soro e esperando resultados de exames enquanto eu e Veríssimo ficamos ali, fazendo-lhe companhia. E conversamos tanto que o tempo passou num piscar de...
- Veríssimo?! Aquele que também é Luiz Fernando?
- É, ele sim! Mas é Luis, com s...
- Em pessoa?
- Ãhn?? claro que não! O que eu diria a ele, em pessoa, sendo eu introspectiva como sou? Um livro. De crônicas. Um que fiz questão de comprar "de bolso", sabe? Daqueles que a gente pode levar em qualquer lugar, principalmente numa ocasião destas, para se distrair ou distrair mais alguém enquanto espera...
- Ah! eu sabia! Era muita areia para o seu caminhãozinho!
- Mas que foi muito melhor do que ficar alí borococho, isto foi! Sabe que eu acho? Os hospitais deveriam ter uns livros de crônicas, destas curtinhas e divertidas ali, à mão, para ajudar a distrair alguns pacientes... além, é claro, de aparelhos funcionando, médicos e enfermeiros "presentes", preparados e dispostos para atender com eficiência e humanidade a pacientes com ou sem convênio... como minha nora foi atendida, por sinal.
- Bom, aí você tá sonhando ou tomou alguma droga por lá que te fez mal... o Veríssimo, tudo bem, é fácil, dá-se um jeito, mas o resto parece que tá difícil....
Foto: retirada do Google
Texto: Vera Alvarenga   

quarta-feira, 13 de março de 2013

Cegueira...

  Li no Facebook há pouco : " Cegueira também é isto, viver num mundo onde se tenha acabado a esperança". Atribuem a frase a José Saramago.

 No começo do ano passado, recebi um diagnóstico de que estava com Glaucoma exatamente quando sentia que perdia totalmente minhas esperanças e "entregava os pontos". Me perdi até de mim. Não sonhava mais, e pronto! Mas diante de tal diagnóstico pensei em algo semelhante ao que diz esta frase acima....
  Então agora, minhas esperanças estão sendo colocadas ao alcance de minha mão!
  Um 2º médico suspendeu o tratamento e me disse que devemos observar... há uma chance de que fique
tudo bem! de que tudo, apesar das aparências, ainda esteja bem!
- " Talvez você seja assim... talvez este sintoma seja algo a que seu organismo tenha se adaptado.." disse-me ele. Juntos, então, estamos observando.
  Não é maravilhoso voltar a ter esperança? perguntei então a mim mesma. Como eu pude imaginar que poderia viver sem ela... sem meus sonhos... sem as borbulhas da alma, sem o olhar terno para um outro que estivesse ao meu lado? Não importa muito como o outro seja, sério, isto ficou claro como água mais cristalina! Importa como eu vejo o mundo!! Por não saber disto, perdi o rumo, me senti só e no escuro... agora, refaço, ainda que  lentamente, os mapas de minhas digitais... não sei se me encontrarei comigo, com o outro, com os demais, mas estou ainda "enxergando" minhas possibilidades. Que bom!!

Foto e texto: Vera Alvarenga
 

quarta-feira, 6 de março de 2013

Para os "bem humorados", discrição é prato cheio...


Andei lendo umas crônicas divertidas, ontem. Uma especialmente me fez lembrar o que ocorreu no restaurante outro dia. Quem é que não conhece um cara assim? Destes que tem bom humor, mas às vezes parece querer desafiar a mulher com seu jeito de brincar com quem mal conhece, em lugares públicos. Um cara destes que está sempre sorrindo, bom homem, mas que você não pode nunca abaixar a voz e pedir-lhe discrição ou fazer-lhe um sinal sutil, esperando que ele aguarde só um pouquinho para fazerem comentários longe das vistas de outros... Destes que não compreendem a delícia do que podem ser estes jogos sociais, na cumplicidade protegida pela intimidade.
Eles estavam no restaurante por quilo, onde almoçam todos os dias. Estavam na fila do caixa para pagar e ele diz para a esposa:
- Pergunta aí pra ele se é a filha dele, esta garota! Se referindo ao garçon que estava na mesa do canto, almoçando em companhia de uma moça. Ao que a mulher respondeu em voz baixa:
- Eu perguntar? Que é isso? E falando mais baixo ainda. Benhê..., eles podem ser namorados.
- De jeito nenhum. Não, ela é muito nova pra ele, tem 12 ou 13 anos! Pergunta!
Ela estranhou a insistência e ficou quieta. Era melhor. Mas ao sair, resolvida a relaxar e usar o assunto para uma conversa bem humorada para passar o tempo, comentou que a mocinha parecia ser a que já trabalhara no caixa por algum tempo. Ele duvidou. Sorriram os dois.  Ficaram ambos com vontade de tirar isto a limpo e ela, com aquele jeito dela, discreto e meio tímido, pediu-lhe  que,  pelo amor de Deus, não perguntasse ao rapaz se era “filha” dele. Isto não era coisa pra se perguntar.
No dia seguinte, o garçon se aproximou de sua mesa. Ela, sentindo que o marido já começava a sorrir, perguntou ao rapaz:
- Aquela mocinha que estava almoçando com você ontem, não era a mesma que já trabalhou aqui? Parece que me lembro dela...
- Era sim! Agora está trabalhando na loja ao lado.
Pronto, ela suspirou aliviada e sorriu ao rapaz com quem já haviam conversado algumas vezes. Este tinha a idade do filho deles e era muito educado. Ela se sentia bem por ter poupado ao rapaz e a ela mesma, o constrangimento diante do possível “fora” do marido. Sorriu  disfarçadamente porque sabia que não devia provocar-lhe.  E  levantou para servir-se, sabendo que cometera um erro. Aquele sorriso, mesmo discreto, significava que ela tinha acertado! Era provocação quase certa para quem não gostava de perder, nem que fosse num pequeno joguinho.  O marido sorriu pra ela daquele jeito que ela não gostava muito, com aquele brilho maroto no olhar e em alto e bom som, disse apenas uma frase:
- Pensei que ela era sua filha. Parece ter 12 anos! Ao que o garçon, sem graça, respondeu:
- Não! Ela tem 17! Olhando em direção à tal moça que acabara de chegar e lhe dirigia um sorriso.
Até hoje ela não sabia de fato se ele fazia isto para provocá-la, sabendo como ela ficava sem graça com certas brincadeiras dele com estranhos, se era pra se vingar dela por ela ter lhe dito o que não deveria dizer ou se era porque o marido tinha mesmo este jeito... era mesmo inocentemente assim....
Se ela soubesse que ele ia mesmo comentar, tinha dito pra ele, também  em alto e bom som, e sorrindo vitoriosa:
- Viu? Eu acertei!
Mas, quem mandou ela ser tão discreta quanto o garçon?...rs.... Apenas o cara tão bem humorado se divertiu!

Foto: retirada do Google.
Texto:Vera.

segunda-feira, 4 de março de 2013

Joaninha dourada.

Lá fora, as meninas tomavam sol para bronzear, ainda mais, suas peles douradas. 
Ela não precisava disto. Sua cor fixara-se  naquele tom e lhe ficava bem. Estava despreocupada, a vida relativamente calma ainda que apresentasse os riscos de sempre. Resolveu, desta vez, seguir por aquele caminho, um tanto escuro, mas só pra ver no que dava. E a mulher que já conversara com ela algumas vezes, com voz macia lhe disse:
- A, de amor.
Continuou seu caminho, explorando...
- M, de meu.
Isto ela tinha aprendido bem. Em seu mundo era preciso, para a própria segurança,  distinguir rapidamente o que era importante e seu, daquilo que não era!
- E, de eu. Não tem jeito, a gente tem que começar por aí. Você é esperta! Vamos ver pra onde vai agora.
Desconfiou que a outra, embora lhe desse total atenção, estava também divagando. Mesmo assim, sua curiosidade a fez continuar naquele jogo que começava a fascinar a ambas, de algum modo.
- Incrível! Você parece estar sabendo para onde ir. Será que está ouvindo o que estou lhe dizendo?
Claro que ela ouvia. E também não era burra. Viviam em mundos diferentes, mas algumas coisas são comuns na vida de muitos. Conhecia os significados, só que antes, não precisara dos símbolos para compreendê-los. Palavras não eram a coisa principal de sua existência, mas a vida, a vida era sim, com certeza. Foi para o “n” , curiosa para saber o que a outra lhe diria.
- N, de nós.
Tá, parecia fazer todo o sentido do mundo depois do meu e eu.  Pulou então para o “i”.
- I, de intimidade. Como é bom quando podemos viver isto com quem ...
Sorriu. Algo em sua natureza  aguçou seus sentidos. Teve uma idéia e um arrepio gostoso passou pelo corpo. Dali mesmo ela pode ver que, pulando uma letra, havia novamente o “A”, de suas asas. Não tinha o dia todo pra ficar ali. A vida passa depressa!
- Ah! Tenho de tirar uma foto! Disse a outra. Espera um pouquinho... legal, consegui! Hei, já vai?
Se pudesse falar, ela daria um adeus à sua amiga e diria: - V, de “Valeu”!
Mas não podia, não precisava. Apenas queria viver...e voou...
Texto(crônica fotográfica) e foto:Vera Alvarenga

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