sábado, 17 de maio de 2014

A viagem da sua vida...


 Finalmente ela se via no reflexo da porta de vidro e constatava - estava, de fato, no aeroporto.
  O filho trazia a mala com rodinhas que ela havia comprado há muito tempo para uma ocasião assim. A nora, alegre como sempre, segurava seu braço e máquina fotográfica com a qual já havia tirado a foto que para sempre marcaria em sua memória, que aquele dia era real. Seria mesmo? Ela trazia a bolsa a tira colo, um frio na barriga e nas mãos, a passagem e o passaporte.
  Ninguém poderia imaginar o quanto lhe custara chegar até ali, não propriamente em relação ao custo da passagem e excursão, pois tinha algumas reservas e toda a viagem fora presente daquele mesmo filho e nora, mas quanto a outros valores.
   Quantas noites ela dormira excitada por aquela perspectiva de conhecer Paris! E Viena ou Amsterdam em plena Primavera naquela terra distante, no mes de seu aniversário! E sonhara estar à tarde em um café na calçada, conversando alegremente e observando as pessoas e tudo ao redor. Ela e o companheiro de viagem decidindo calmamente o que fariam no dia seguinte. Mas...que companheiro de viagem?
  O marido não pode aceitar o presente. Não se sentia à vontade após um problema de saúde. E ela, ainda que tivesse tentado fazê-lo entender que estavam bem, que o tempo passava depressa e a vida se ia embora se não quisessem aproveitar a oportunidade, talvez não tivessem outra, ainda assim, decidira parar de insistir. Foi quando pensou que talvez pela primeira vez, ele estivesse inseguro. E ela, que tinha seus medos, precisava respeitar isto. Seu marido comentara :
- Nunca fui muito animado, você sabe. Não tenho a vontade que você tem de conhecer estes lugares, não seria um bom companheiro. Arrume uma outra companhia e vá. Aproveite você.
   Como ela iria sem ele? O filho tinha sugerido a excursão com guia brasileiro. Era uma boa solução e a vida era uma só, por que não fazer esta viagem, a que seria a viagem de sua vida?! Como deixá-lo sozinho? Não! ela não conseguiria. Mas ele estava bem e não costumava mudar seus planos ou sair de seu ponto de conforto, mesmo em favor de algo mais abrangente.
   Não gostava de ser assim covarde e solitária, mas assim era. Para outras coisas não fora covarde, mas para viajar sozinha...Ou será que era apenas coerente com seu jeito de escolher de que forma as coisas teriam valor? Poucas vezes tinha viajado sozinha. Não se imaginava a ver lugares bonitos sem ter com quem compartilhar. Ah, a excursão era um ponto a favor da segurança, mas dividir o quarto com uma pessoa totalmente estranha, por quem não sentisse nada? Ser talvez a única em meio a outros casais. Não era pessoa de traquejo social. Valorizava uma boa companhia em primeiro lugar, alguém com quem se sentisse à vontade na intimidade, e então tudo o mais seria uma consequência feliz.
   Então, o que a levara a aceitar o presente, e depois a todos os preparativos e expectativas até aquele instante em que se via no aeroporto?
   Ah! foi ele. Aquele que se tornara seu amigo secreto, com quem muitas vezes ela imaginava estar conversando, ou em um teatro, ou ouvindo uma orquestra, ou bebendo um café e comentando sobre as pessoas, sobre o mundo. Era um amigo invisível como são aqueles das crianças, que a aceitava com todos os seus receios e toda a sua coragem. E mesmo assim a admirava e desejava o seu bem. Ela amava seu amigo quase sem rosto e seria a companhia perfeita, sabia disto. Não precisaria nem ao menos planejar nada, bastaria estar com ele, dar-lhe a mão e ir. Então poderia ir ou ficar em qualquer lugar. Bastaria estarem juntos. Seu coração ora batia descompassado, ora parecia que levava um susto.
  - Hei! você está tremendo? perguntou a nora, rindo. Você merece, aproveita! a vida é uma só!
  Respirou fundo. Sentiu medo. Devia estar maluca de ter se metido nesta aventura! Teve vontade de sair correndo para não sentir mais aquele frio na barriga. O que ela estava fazendo ali? Olhou ao redor e então ela o viu! Ele estava no meio daquela gente estranha que se juntava em volta do guia da excursão. E ela suspeitou que aquele sorriso dele, era para ela. Estaria doida ou o melhor de todos os companheiros de viagem estava mesmo ali, esperando por ela? Seria um sonho? Só assim para criar coragem para sua última viagem! Então beijou os parentes e com as pernas trêmulas e um sorriso tímido, se despediu.
  E foi....

No aeroporto talvez estivesse tocando naquele dia, aquela música...


foto retirada do Google
texto:Vera Alvarenga

   

2 comentários:

  1. Vera,

    Eu me lembrei de 1997, já estava casada e o mala não quis ir comigo à Europa. Não perdi a oportunidade que foi um presente de meu tio. Só me arrependi de ter voltado, eu tinha todas as possibilidades de lá ficar.

    Hoje faço planos de ir novamente, será sozinha pelo visto, dará friozinho na barriga, mas irei. O friozinho ficará por conta de não poder ter minha mãe ao lado andando pelos cantos da Europa, ainda mais que ela conhece muita coisa e fala fluentemente alguns idiomas. Vou ter que encarar e concretizar o velho sonho.

    Bjs

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    Respostas
    1. Isto mesmo, Sissy! E que possa ser uma maravilhosa viagem. Escrevi algo no seu blog agora mesmo e cabe aqui, por isto vou transcrever. Sabe o que sinto Sissy? Que mesmo quando algumas vezes parece que não estamos a aproveitar alguma oportunidade, se fizermos a escolha e nos reinventarmos como você diz em seu blog, porque nossa imaginação nos permitiu vislumbrar algo melhor ou bom, então esta oportunidade nos serviu como um novo caminho.Adorei. Beijos e uma boa semana.

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