sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Quando nada me falta.

Quando nada me falta
As vezes me aconchego assim, em raros momentos em que nada me falta. Como agora. E descanso nestes momentos, como se o tempo que é o meu, me fizesse o favor de parar. Como se não houvesse guerra. Como se tudo estivesse em paz.
Sim, só ele pára, o meu tempo, porque ao meu redor a vida continua – à direita e atrás, alguém  torce por um jogo de futebol do qual posso ouvir o narrador, mas não me atrapalha o barulho deles, nem me prendem a atenção.
 Estou no 2º andar, em frente a um janelão de uma sala que não é minha. Do outro lado, lá fora, há um calçadão com palmeiras e árvores daquelas que existem no litoral. E uma praça, e bancos e gente sentada neles ou andando neste jardim verde mas sem flores. É gente de todo tipo: crianças, adolescentes, gente velha, gente nova e cachorros levando seus donos para passear. Gente que anda com as próprias pernas, com ajuda de outros, com bengalas ou com rodas de bicicleta e até com cadeira de rodas. Na avenida, os carros passam. Depois disto, a areia, as ondinhas do mar espumando na praia, o oceano. Ele é tão grande! E vai até ao longe, batendo à direita e à esquerda nas pedras ou encostas de um outro pedaço de terra, bem longe daqui. Quem estará lá do outro lado? Quem olhará para cá, sem nem ao menos saber que estou aqui? Na verdade, não é isto que importa. O que me envolve é o sem limites, é o oceano que, no centro do meu olhar, vai até o sem fim, até encontrar-se com o céu e depois talvez, escorrer pelo horizonte chapado até cair no mundo como se fora uma lágrima da terra. Passam por aqui, na direção daquele horizonte, alguns navios recém saídos do Porto. Dizem que tem um destino certo, mas eu mesma não sei. Só sei o que vejo neste momento, que é só o de observar, sem julgar, sem saber, apenas o sentir. E o que vejo e sinto é que eles vão para o fim do mundo e pode ser que escorram também como um cisco, junto com as lágrimas dos olhos da terra.
Não é um momento de saber ou preocupar-se com o que existe depois. Nem se trata de ponderar, julgar, conhecer, pensar. Apenas ver e sentir. E o que vejo é ao mesmo tempo um contraste entre o movimento e a não ação. E o que experimento é o ilimitado do meu tempo que parou e o cadenciado do ritmo das coisas em movimento, o ir e vir das ondas e das pessoas, apesar da minha inércia. Neste exato momento em que não sinto meus limites como se nada me prendesse, ao mesmo tempo algo em mim observa enquanto a outra parte de mim está unida a tudo o que vejo. E nada parece me faltar. Neste milésimo de segundo experimento estar em paz. A despeito de tudo e de qualquer coisa.
Entre a janela e o oceano, na praça bem aqui em frente a mim, há uma escultura. De material sólido, cravada bem no meio entre as palmeiras - uma cruz. E Cristo está nela, e sobre a cruz, uma pomba repousa. Há quanto tempo ela estará ali? Não a pomba, mas a cruz. Há quanto tempo Cristo está entre nós? Entre o fim do mundo e eu? Ele está bem no centro de tudo o que vejo. E representa a união entre tudo, o ponto central entre todos os contrastes, e a esperança do infinito, do tempo que pára mas vive para sempre. Quem sou eu para duvidar?  

Apenas sei que preciso deste momento de união com aquilo que não conheço, não explico, não entendo mas que está em mim, e no mundo e até depois da curva do infinito, e me preenche de paz.
veraalvarenga.

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