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terça-feira, 2 de agosto de 2011

A Glicínia e seus limites...

   Seu olhar ficou azul ao se deparar com o azul dela.
   Foi amor à primeira vista. Assim que pode, levou-a para casa. Ela, já o amava também. Tirou-a do vaso e a plantou ao lado de outra árvore que lhe dava sombra. Ela queria florir e enfeitar sua vida.
   Ele a achou perfeita - disse a ela que era tudo que desejava desde menino,quando a viu em sonho. Ela,impressionada, decidiu que realizaria o sonho dele. Contudo, era demorado crescer e florir como ele gostaria, pois para isto havia exigências, precisava cuidados. Ele a amava, mas não queria estragá-la com mimos. E era homem ocupado. Assim, quando ela lhe perguntou porque não lhe dedicava mais tempo,não demonstrava estar feliz com sua floração, ele explicou : -"sei que me deu uma flores singelas neste ano, porém, tenho coisas importantes para fazer. Elogios não fazem ninguém crescer,acredite. Um dia terei tempo e ficarei à sua sombra admirando sua florada mais intensa." E se foi para seus afazeres. Os anos passaram, foi crescendo forte,vistosa, até que um dia, começou a sentir-se apertada em seus limites. Por alguma razão que desconhecia, foi construído ali ao seu lado um muro liso, de pedra, um pouco frio, o qual ela não podia abraçar com seus galhos que queriam florescer. Então, pensou que limites são para serem transpostos, e não seriam eles a impedir-lhe de seguir o exemplo de seu dono - " Mire-se em mim que não preciso de ninguém!"dizia ele. Ela precisava...precisava só dele. Não deixaria entretanto, que sua fragilidade a impedisse de ver a luz do sol. Em algumas ocasiões, porém, sentia-se desanimada, sem energia, com tal esforço. Entre o muro e a outra árvore que crescia frondosa ao seu lado, já não sabia quais eram os seus limites, o que era seu e o que não era, ainda mais que, nas vezes que seu amor vinha até ela lhe afirmava com convicção: -" Você não tem limites, de nada mais precisa". Que ela não tivesse necessidades, parecia ser o que ele pensava.
   Ela tinha seus brotos a cuidar e gastava muita energia com a própria existência e com a missão de amar os seus amores e florir. Era feliz assim. Seu único erro, foi o de nunca ter desistido - é preciso desistir, às vezes, quando não se pode fazer tudo. Ficava encantada quando ele vinha cansado e a abraçava para refazer sua própria energia de homem ocupado também com uma nobre missão. Deste abraço e do amor que sentiam, saía renovado. Ela, triste por não conseguir falar a lingua do homem a ponto de fazer-se ouvir, sentia-se algumas vezes, por um fio de desistir. Contudo, mantinha-se, talvez porque, um pouco vaidosa, acreditasse ser mesmo perfeita aos olhos dele. No fundo, sabia que não era...não se achava perfeita. Ele é que não conseguia compreender o que ela dizia. Para ela, o que era perfeito não era deste mundo, não precisava compaixão. Ela era compassiva e queria ser real.
Os anos foram passando e ela, que se habituara a sonhar, percebia que o sonho não tinha limites e por momentos a nutria. Só neles, tudo era perfeito. Contudo um dia, desesperada viu que algo estava se desfazendo nela. Misturada nos sonhos e nos galhos da outra árvore, e na ausência do reconhecimento dele pelo que era, ela própria já não sabia onde começava e até onde podia ir. Aliás, na verdade ela não queria ir, apenas ser, mas não sabia de fato o que era.Seus limites estavam confusos.
Um dia, conversou com um pássaro azul que ali pousara e percebeu que não podia mais aceitar a missão de ser perfeita. Tinha necessidades, medos, fraquezas que reconhecia agora ainda mais do que antes, pois estava envelhecendo. Apavorada percebeu que sua tristeza, antiga companheira, vinha das próprias fraquezas e que seus sonhos já não lhe bastavam mais.  Diante desta tristeza que tomava conta de seus galhos como praga da qual ela não conseguia livrar-se, ela que sempre fora sustentada por uma alegria que a motivava e a fazia olhar sempre para a luz, teve muito medo. E diante do escuro que não lhe permitia reconhecer seus próprios limites e portanto, sua verdadeira existência de ser incompleto e imperfeito, teve medo de nunca mais poder ser. Tal medo a assombrou de tal modo que um dia, a consciência da inexistência de seus limites e de seu SER, que só era inteiro em sonho, a assombrou tanto que ela percebeu que derretia. Derretia... e derretia, até que desapareceu. E, nunca mais pode florir para ele, como era o esperado.... 
  Sua alma ia levada pelos ventos...ela, que fora feita para fazer amor na sombra das flores, que fora feita para completar o sonho seu e de outro, era sem limites agora, e sendo assim, já não podia existir, nem tinha forças para voltar a ser. Sentia o vento levá-la para longe, para lugar nenhum... e nesta perigosa situação, só não morria deste pavor, porque percebeu em si, no seu corpo irreal, imaginário e ilimitado, que havia restado uma semente... talvez pudesse cair em solo fértil, e com todos os seus limites pudesse crescer, não imensa e vigorosa, mas feliz pela florada se um dia voltasse a produzir em sua existência imperfeita e, por isto mesmo, possuidora de certa beleza, mesmo que limitada. Sua alma, viciada na presunção de não reconhecer os limites  da materialidade, ainda tentava transcender a eles...mesmo sabendo que se quisesse ser uma Glicínia verdadeira, era preciso ter reconhecido estes limites e necessidades. Eram eles que a faziam ser o que era, ou o que tinha sido um dia. Seria preciso ter coragem para morrer um dia, mesmo sem ter sido capaz de sua mais bela florada.
 Aceitava agora toda a sua imperfeição, contudo... continuava a sonhar...
A Glicínia precisa de solo rico de onde possa retirar nutrientes, para florir.Não deve ser colocada ao lado de muro liso e frio, onde não possa haver oportunidade de abraçar....atrairá pássaros enquanto estiver florida e sentirá solidão quando não puder mais florir...
Texto: Vera Alvarenga
Fotos retiradas do Google imagens - a foto do Bonsai, do atelier do bonsai.com.br


     

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