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domingo, 14 de novembro de 2010

" O poeta ,,,"

   Estava molhando as plantas do jardim, como fazia três vezes por semana. Um dos bons momentos de seu dia, quando abstraía-se da realidade e concretude de seu dia a dia, e tornava-se parte da natureza que a rodeava. Antigamente era seu hábito, ao se aproximar das flores, aproveitar para meditar,enviar luz em pensamento para as pessoas que amava ou pensava estarem precisando de energia. Ela acreditava nestas coisas.
  Ultimamente porém, não conseguia ser tão bondosa, pois seu coração estava lhe pregando peças - ali no jardim, ele parecia criar asas e a fazia voar...quando isto ocorria, ela sorria, e logo balançava a cabeça como a reconhecer e se perdoar porque estivera assim divagando.
   Naquela tarde, por segundos, chegou mesmo a sentir estar sendo abraçada por ele...era o abraço sonhado, maduro, que parecia poder conter o mundo e todas as promessas que ambos já tinham desejado um dia e não pensavam mais poder colher.
   Era o abraço que os faria saber que, dali em diante, não precisariam mais procurar, pois teriam finalmente se encontrado!
   Sorriu e suspirou fundo, mas desta vez constatou com alguma tristeza que seus pés estavam novamente na terra molhada...e terra é realidade. O ar, a brisa, já não levavam suas asas a lugar nenhum. Ouviu um cumprimento... uma voz calma que parecia vir de um sonho, como o dela:
- Boa tarde, moça. Como é belo o amor!
  Era aquele senhor que vira algumas vezes, a tomar sol ao entardecer. Estava alí na calçada do outro lado da rua.
- Ai, meu Deus! o que diz este homem? estaria lá há muito tempo? Será que ele me "pegou" sorrindo assim feito boba, do nada? Que vergonha. Não, ele tá velhinho, nem me vê direito, me chamou de "moça"! Eu, com meus quase sessenta...
   Ela, recompondo-se do susto, respondeu com um aceno. Tinha notado, já outro dia, aquele senhor de olhar bondoso, a olhar para ela como se quisesse adivinhar seus pensamentos. Qualquer dia, ia atravessar a rua e conversar com ele. Parecia tão solitário como ela se sentia, às vezes. Logo, uma mulher veio buscá-lo e lá se foi o velho, mais velho que ela, em sua cadeira de rodas.
- Até logo, moça!
- Ah...até ...senhor!
   Dois dias depois, no final da tarde, do outro lado daquela pacata ruazinha do interior onde morava há poucos meses, ela viu a ambulância sair. Uma das vizinhas, parada bem em frente ao seu portão, lhe disse:
- A senhora viu que pena? Tão lúcido ele era ainda! Esta doença é assim mesmo.
- O que houve?
- O poeta, dona. O poeta morreu!
   Então ela soube. Teve certeza de que, mais do que ninguém, ele realmente a tinha visto. Só mesmo um poeta poderia tê-la compreendido.

Texto e foto: Vera Alvarenga

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Olhou para ele, como se fosse pela primeira vez...


Um dia, após algum silêncio,olhou para ele e o viu como se o estivesse vendo pela primeira vez, nos últimos anos.
Toda aquela impaciência e agressividade não foram dirigidas a ela, especificamente. O olhar de raiva com que a olhara e que tantas vezes a magoara. Só agora compreendia claramente. Ele o dirigia a qualquer um que o interrompesse quando estava a fazer inúmeras combinações em jogos de loteria que certamente teriam chance de ser contemplados, quando assistia uma notícia política e se imaginava lá, mostrando como poderia resolver o problema ou mesmo quando, recentemente se descobriu poeta e estava a escrever poesias.
Mesmo que fosse uma questão de trabalho, ou uma frase amorosa dela, lhe oferecendo algo que ele gostava?! Por que me tratar assim?
Era a raiva com que inconscientemente recebia tudo que o despertava de seus sonhos!!
Não teria um homem o mesmo direito de sonhar, como tem as mulheres? Era o que ela se perguntava agora.

Não importava comparar diferenças entre seu modo de reagir e o dele. Não era novidade que eram muito diferentes. Ele sempre tivera um jeito mais agressivo de reagir ao mundo, e por sua história de vida acreditava que com força e crítica se conseguia aprender e ensinar mais, diferentemente do modo dela encarar as mesmas questões.
 O que importava a ela agora, era perceber que ao businar para assustar alguém que atravessava a rua sem prestar muita atenção, ele realmente acreditava estar lhe fazendo um favor, e se isto a aborrecia, era simplesmente porque ela estava ao seu lado, naquele momento. Que o olhar duro que lhe dirigia, não era para ela; ela apenas o acordara do sonho. Muitas coisas a vida negou a este homem, porque ele teve sonhos grandiosos! Esforçado, corajoso, decidido, dizia que era feliz, realizado, era amado por ela, pela família,mas ela percebia nele a inquietação de quem não tivera oportunidade de realizar muitos dos seus sonhos.Talvez ele não soubesse como lidar com isto. Portanto, já não tinha medo dele agora, olhava-o com maior compreensão sobre o que antes pensou que ele fazia para feri-la. Ela o via como ele era. 
Tinham algo em comum – a inconveniente inquietação dos sonhos que não puderam ser realizados. E ambos, continuavam a sonhar seus sonhos...
Texto : Vera Alvarenga
Foto: alterada no photoshop - pode ter direitos autorais

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