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quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Dora.

 Dora era uma mulher de sorte. Por muitas razões sabia disto. Era também uma sobrevivente. Alguém que agarrara a vida e tudo que de bom pudesse optar por viver. Inventava, mesmo do seu jeito tímido, muitas pequenas alegrias. Encontrara, em seu modo de ser mais solitário, embaixo de cada pedra, um grão de areia dourado, uma argila macia com a qual podia esculpir alguma coisa, uma formiga esquisita que lhe despertava a curiosidade, e nas paredes por acaso intransponíveis, um musgo que subia até um buraco qualquer e assim, lhe mostrava o que havia do outro lado. Por causa do musgo ela sabia que o mundo não era pequeno e que o seu umbigo não era o centro dele.
Não ficava feliz nas compras, ou nos shoppings a menos que fosse para comprar um presente ou para ver pessoas, mas sim, nos lugares calmos onde pudesse apreciar natureza, jardins, pessoas tendo suas vidas, tomando café, conversando, bebericando, rindo.
Dora envelheceu, como todo mundo. Agora sua vida era bem mais calma. Aposentados, ela e o marido viviam vida simples mas com necessidades atendidas e pequenos prazeres, como o vinho de todas as noites. Durante o dia, o marido ocupava-se com andar pelo condomínio em busca do que estivesse errado para poder pensar em soluções - era seu modo de cooperar com o grupo social do qual fazia parte. Era também seu modo de construir com sua crítica algo melhor, como ele mesmo dizia. E como encontrava muitas coisas erradas, mantinha-se ocupadíssimo. Por vezes divertia-se a criticar, provocar as pessoas, fazê-las compreender o quanto tudo estava errado! Dora por sua vez, cuidava de suas próprias coisas, escrevia, organizava a casa - desde sempre pensara que ela, a casa, era uma extensão de seus donos e deveria ser um lugar agradável de se viver.
Durante o dia então, cada um fazia suas próprias coisas e ficava no seu mundinho, mas ela, entrava no mundo dele, levava cafezinho ao marido ou o ajudava com o computador sempre que ele precisava de sua ajuda.
Nesta noite Dora estava sozinha e ele demorava-se a pegar assinaturas para certas providências. Em frente ao computador, levantou-se e começou uma dança tímida, ao som de Ray Conniff. Ah! quem resistiria a isto? Que bom ter passado para o computador este CD de músicas, que delícia deixar o corpo lembrar de como era bom dançar.
Dançar é bom, aliás, em qualquer idade, o corpo se alegra, pensou. E ela não podia desperdiçar pequenas alegrias. Amanhã, quem sabe onde estaria? Poderia não poder nem mais dançar. O marido chegou. Cumprimentaram-se rapidamente. Ela o chamou:
- Vem, vem dançar um pouquinho comigo...olha só o que encontrei...
- Não dá, não tenho mais idade pra isto.
- Ué, se sou eu que tenho dor no corpo e estou dançando! Faz bem, só um pouquinho, vem! lembra destas músicas? Mas já falava sozinha. Ele respondeu lá da sala que precisava ver as notícias que não vira mais cedo.
- Mas você fica o dia todo procurando o que consertar lá em baixo e não tem um tempinho pra dançar comigo? Reclamou da maçaneta do banheiro que estava quebrada há dias e de como ele criticava tudo que estivesse por fazer lá no condomínio. Ao que ele respondeu que ela só estava querendo ser chata. Ficou azeda. Teve vontade de sacudi-lo, mas não adiantaria. Ele era assim mesmo, pensou. A vida nos escapa, não temos mais prazeres comuns e ele não percebe.
Foi à cozinha, pegou seu copo de vinho, delicioso por sinal, e voltou para o quarto. E dançou sozinha mais algumas músicas. Sozinha não! Dançou com um sonho, uma lembrança, um desejo. E mais uma vez perguntou-se porque se achava assim uma mulher de tanta sorte!
 Por que Deus fizera mulheres precisando de homens para se sentirem completas e vice versa? Pensou que só quem já sentiu amor, só quem já amou de corpo e alma podia sentir tanta saudades assim deste sentimento, desta sensação de completude. Só quem já pode alguma vez e por amor, sentir-se tão corajosa e forte diante de qualquer dificuldade, quem já foi apaixonada pela vida, podia sentir tão grande desejo de o experimentar novamente. Porque para ela, a vida sem as pequenas alegrias do amor, não valia nada. Amar era o que a fizera sempre sentir-se livre. Quando você ama, nada a aprisiona, pensou.
E assim, para continuar a conviver bem com aquele que se tornara tão apegado às suas próprias vaidades, que se tornara grosseiro e intolerante com todos, aquele que desde há muito tempo parecia ir buscar longe o que lhe valeria o esforço da conquista e no futuro a motivação de sua atenção, ela fez como ele. Tornou-se igual a ele. Traiu o presente. Traiu o marido e foi buscar longe, no pensamento, algo que valia a pena. Lembrou de alguém que, apesar da dor de ter sofrido grande perda, maior do que as que seu marido sofrera na infância, tinha sabido ser gentil com ela e, num dado momento, até a incentivara. Como esquecer? Alguém que, apesar de sua perda não estivera centrado só em si mesmo, por certo serviria de inspiração para outros. Contudo, ao terminar a dança e o vinho  lembrou-se : o sonho servia para a inspirar ou apenas para a consolar por momentos. A vida se faz de momentos vividos mais do que de sonhos. Pegou um livro para ler e acalmar os ânimos. Amanhã, pela manhã, seria mais uma vez, um bom dia para recomeçar.... recomeçar a viver sem se deixar amargar. Buscar o sentimento, o momento de sentir amor, para sentir-se liberta, para sentir o quanto a vida vale a pena... apesar dos sonhos frustrados.
foto e texto: vera alvarenga

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Arma certeira...ou..." Não há saudades mais dolorosas do que as das coisas que nunca foram...”


(Por uma destas coincidências, depois que fiz o post li esta frase que atribui-se a Fernando Pessoa e caberia bem melhor aqui como título)

   Hoje vou lhe contar uma coisa quase secreta. Chega mais perto. Falarei em voz baixa...
   Outro dia fui lá, naquela loja.
   - Quero uma arma, eu disse, aos olhos de quem me olhava desconfiado. Desconfiava que sabia que eu não era capaz de matar uma mosca!
   - E que seja de corte ou tiro, não importa, mas quero-a certeira! Que um só golpe ou toque no gatilho possa acabar com aquilo que, por vezes quase me mata.
   Quase tive de chacoalhar pelos ombros aquele que me olhava impassível, como a não crer que eu fosse capaz.Como se me conhecesse! ou conhecesse as fraquezas humanas, aquelas que percebemos ter bem quando pensamos não ter mais nada novo para sentir.
   Não preciso lhe dizer. Saí de lá sem arma alguma.
   Não porque ele, com seu silêncio, não a quisera dar a mim que ali insistia, mas porque depois de testar algumas, tive certeza de que não era o que eu procurava, desisti. Pois constatei, observando-as, que cada uma conviria a uma situação e exigiria certas particularidades que o caso não poderia atender.
   E para todas seria preciso, sem sombra de dúvida, mão firme e bom foco!
   Como posso ter mão firme se tremo de pensar que estaria cometendo um assassinato ? Se fosse como matar uma barata, aranha ou qualquer animal perigoso e intruso que estivesse em minha casa, enfim, em meus domínios a ameaçar minha segurança e paz, seria fácil. Pois é claro que sou capaz de matar uma mosca nojenta que quer entrar na minha boca ou nadar na comida do meu prato!
   Mas, o que de vez em quando acontece subitamente como o leite que sobe na vasilha em fogo baixo e ferve de repente, e de susto quase me mata a ponto de me descontrolar de minha calmaria...
aquilo que machuca,mas de início começa como uma nostálgica e doce lembrança cujo pensar me dá prazer e me fazia sorrir, aquela presença que pela ausência me violenta de certo modo, nunca esteve suficientemente perto para que eu pudesse fazer a mira certeira, ou mesmo pudesse escolher o que fazer. E nunca esteve suficientemente longe, pois o que de tudo isto introjetei, foi o melhor.
   E então, como posso ter mira certeira, se o que resta de todo aquele pouco para o qual dei muito significado ainda está dentro de mim? Como fazer a mira certeira?
   Melhor continuar com o sorriso brando com o qual saí da loja, e com a certeza de que por vezes estamos lidando com um sentimento, amigo ou inimigo, que está dentro de nós. E matar sentimentos, eu sei bem, é perigoso demais! Ao mesmo tempo que nos anestesia, nos amortece e nos protege da dor da saudades e outras, ao mesmo tempo nos dessensibiliza em relação aos demais sentimentos...e são os sentimentos e a emoção partes importantes de nossa pretensão de viver a vida e ou evoluir nela, na nossa condição humana.
foto/texto: Vera Alvarenga

sábado, 21 de setembro de 2013

Melancolia...


Desde ontem, após ler o email de um amigo, me volta ao pensamento,repetidamente, esta palavra que não sei bem definir...melancolia.
   Seria, quem sabe, sermos interrompidos insistentemente por lembranças do passado?  E muitas vezes nos sentirmos tomados por uma sensação de surpresa por ver que algumas coisas que nos pareciam certas, tomaram um rumo tão diferente daquele que imaginávamos?E frente a isto, à sensação de impotência,nos bate um cansaço, como se quiséssemos ser capazes de descer desta roda que gira e gira independente de nossa vontade e apesar de nós. Então, apenas ficamos ali, a nos convencer de que as coisas são assim mesmo e diante deste fato, que façamos o melhor, apesar da preguiça que nos rouba o entusiasmo de outrora!!
   Seria isto a melancolia?
  Ou seria o desejar ardentemente poder recomeçar outro caminho, novo, e reencontrar neste a nossa antiga energia ou motivação, para logo perceber que não é possível? Porque, para alguns de nós, este não é, não, um caminho que se faz solitariamente! Porque, para alguns de nós, o que se deseja é nos encontrarmos novamente apaixonados e amando alguém e como consequência, a própria vida. E não falo do amor, aquele que a gente encontra quando racional e maduramente lembra de tantas histórias, batalhas vencidas, dedicação pessoal para que consigamos, sob grande esforço, fazê-lo sobreviver. Falo do desejo de experimentar talvez um novo amor, um amor de outro tipo, seja com a mesma pessoa (embora isto exija igual empenho dos dois) ou com outra. Falo de sentir um amor que nos emocionasse novamente, nos tomasse, nos inundasse, simplesmente porque viria naturalmente do compromisso mútuo de fazer o outro tão feliz quanto a nós mesmos, e por isto, seria o sentimento que nos traria mansa alegria de termos finalmente encontrado nosso recanto de paz e prazer...
   Falo do amor que se constrói com respeito, carinho, amizade e a antiga bagagem dos que já se viram a caminhar corajosamente por caminhos solitários, quando deviam estar acompanhados.
   Melancolia seria a estranheza que nos assombra diante do próprio presente onde estamos agora, sem contudo sentir que ele realmente nos pertence? Seria nos perguntar com estranheza como chegamos ali?
   Ah, certamente o rumo de nossas vidas e sentimento não são coisas que podemos construir e controlar como se dependessem exclusivamente de nosso empenho, dedicação e sonhos! Há muitos outros aspectos que interferem, além de nossos próprios humanos erros, sem que possamos fazer muito a respeito. Tantos momentos nos quais tivemos de optar, e na maior parte das vezes fazemos a escolha no escuro, contando também com a sorte, além daquelas escolhas para as quais não pudemos nos sentir livres a seguir apenas o que nosso desejo mandava, porque o coração e o amor que nos liga a outros, nos fazem saber que não estamos sós a enfrentar as consequências daquilo que desejaríamos.
   Quando estamos mergulhados hoje numa ação qualquer e somos surpreendidos pelo desconforto, estranheza, e nos perguntamos se aquilo tem significado e então, nos esforçamos para novamente nos colocar por inteiro naquilo que estávamos fazendo antes de sermos interrompidos por tais pensamentos...seria isto a melancolia? Precisarmos nos distrair, nos deixar absorver pelo que está à frente de nosso nariz, o que é sábio porque nos leva ao presente, porém ao mesmo tempo para longe do que sentimos. E talvez o que sentíssemos se nos permitíssemos seria o desejo ardente de não ter nossa velhice permeada por esta sensação de solidão. Ou seria precisarmos nos dessensibilizar repetidas vezes e a tal ponto que não podemos mais sentir emoções e vida como coisas que estão coerentemente caminhando juntas e nos pertencem?
  Melancolia...algo que não sabíamos o significado porque antes não conhecíamos o tédio, nem a dúvida, nem a indecisão, nem a falta de entusiasmo, porque antes estávamos tomados pelo amor que nos vivifica?
Melancolia, talvez se misture com certa nostalgia.
  Um por de sol como o da foto, com uma ave em voo solo, é lindo, mas melancólico, porque nele nos despedimos da luz!
 
  Melancolia, para mim, é saudade de poder amar! E é amando que nos sentimos mais vivos!
  E por isto, melancolia é como o por do sol, é como ir morrendo aos poucos....
  Pode ser que, para cada um tenha um significado um pouco diferente... pode ser...
  Eu, de minha parte, refletindo sobre ela, vejo-a como filha da nostalgia. Nostalgia do sentimento que um dia nos envolveu e pelo qual nossa alma, por vezes inconformada anseia de novo sentir - o amor!
 
  E é por isto até, que alguns de nós, seres humanos já bem maduros, inconformados, ousaram enfrentar situações consideradas ridículas pelos que não sabem o que é viver este sentimento. Eu, não costumo julgá-los com rigor e me emociono pelo amor corajosamente vivido, seja em que idade for. Quisera eu ficar velhinha e sempre envolvida por este sentimento! Porque a alma não envelhece e por vezes demora a entregar-se à paz, aquela daquela natureza que advém de nada mais desejar e apenas espera a vela se apagar...

Texto e foto: Vera Alvarenga.  

domingo, 2 de dezembro de 2012

O refrão daquela música, lembra?

   Coloco o Lap-top de lado. Fecho a página de um texto que não escrevi e que era tão branca como é a saudade que não se preenche de novas palavras. E, talvez porque seja uma tarde de domingo, uma preguiça imensa toma conta de mim. E porque a reconheço, deixo estar, me deixo levar pela calmaria.
   Lembro de você, que me perguntaria - tudo em paz? Digo que sim. Apesar do vazio na brancura do papel, tudo, no momento, está em paz. No fundo das águas calmas sei que há um grito de um animal ferido, uma ave faminta, um riso, o desejo contido de  uma mulher sem idade, um sorriso e gesto gentis que queriam ser para sempre, seus. Arrumo as almofadas no canto do sofá, pego um livro, me deito de modo a olhar para as árvores em frente ao terraço. Visão agradável. Tudo aqui é exatamente como sonhei. O que poderia querer mais? Colho da vida, neste momento, uma paz que dissolve qualquer sinal das lutas e do anterior cansaço. Me vem à lembrança um refrão de música: - " Agora só falta você, ie,iee, agora só falta você!"
   Lembro de como inúmeras palavras me brotavam no pensamento a cada vez que você vinha. E tudo efervescia, mesmo no meu jeito calmo de ser. E me parecia, talvez porque eu sonhasse, que ia haver um futuro. E fui ousada, e quase não tinha medo.
   Porque hoje é domingo, bem que você poderia voltar... eu sei, esta paz então, iria embora, substituída por certa inquietação que me faria vibrar, e muitas coisas talvez tivessem de mudar de lugar e, mesmo assim, ao fim, ainda haveria tranquilidade, se eu pudesse finalmente confiar. Eu teria sem demora, tantas palavras e uma história a continuar a escrever...
  Mas hoje é domingo. "Tá tudo bem", tudo em paz. Me invade apenas a saudade que ainda não sei controlar e uma persistente brancura de papel....
Texto e foto: Vera Alvarenga.
Música do youtube com Maria Rita -

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Corrupião....

 Com o tempo, apegara-se a ele. E tudo nele a agradava. Foi um gostar aos poucos. Cada um se aproximando devagar, com cuidado para não ferir ao outro, não assustar, não invadir o espaço.
 Ela tinha sentido medo. Talvez porque adivinhasse o que estava por vir.
  De vez em quando, podia senti-lo perto de si, mas ele não se deixava ver. Saía antes que ela tivesse tempo para ver a luz do sol entrar pela janela ou, quem sabe, nem estivera de fato ali, mas apenas dentro de seu coração. Por isto o sentia ainda tão próximo a si.
  Quem sabe o assustara naquele dia, ao abrir a janela tão impetuosamente, alegre com sua já habitual presença, desejando olhar nos seus olhos e compartilhar com ele o que tinha nos seus. Quem sabe, foi porque começara de novo a soltar a voz, incentivada por ele, pensando que ainda sabia cantar. Ou quem sabe aproximara-se demais, quisera tocar no que era intocável. E ele estaria bem? Algum menino cruel teria lhe tirado a vida com uma pedra lançada de um antiquado estilingue de mira certeira? Estaria preso em algum lugar distante?
  Se ele voltasse, ela não saberia mais como se aproximar. Teria de ter mais cautela, ser mais cuidadosa do que já era? Isto, então, lhe tiraria a alegria que tinha pensado ser possível. Ocorreu-lhe, pela primeira vez, que apesar de tanto em comum, o mundo deles talvez  fosse demasiadamente diferente. E que a união de dois mundos só valeria a pena se houvesse igualdade no desejo de fazer o outro tão feliz quanto a si mesmo - duas aves livres a aninhar-se juntas num imenso viveiro com portas abertas.  Era preciso ter a mesma natureza. Isto, a vida lhe ensinara. Então, apesar da saudade, agora, tudo estava em paz. Ela nada mais queria ser,do que era, e nada mais queria ter, do que já tinha. Nada mais desejava... a não ser, talvez, ouvir seu canto novamente, só para saber que ele vinha porque queria cantar para ela... e então, por sua natureza, talvez ela ficasse calada e encantada, ao sentir o coração iluminar-se outra vez...
Foto e texto: Vera Alvarenga.

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