Mostrando postagens com marcador sonhos. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador sonhos. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Dora.

 Dora era uma mulher de sorte. Por muitas razões sabia disto. Era também uma sobrevivente. Alguém que agarrara a vida e tudo que de bom pudesse optar por viver. Inventava, mesmo do seu jeito tímido, muitas pequenas alegrias. Encontrara, em seu modo de ser mais solitário, embaixo de cada pedra, um grão de areia dourado, uma argila macia com a qual podia esculpir alguma coisa, uma formiga esquisita que lhe despertava a curiosidade, e nas paredes por acaso intransponíveis, um musgo que subia até um buraco qualquer e assim, lhe mostrava o que havia do outro lado. Por causa do musgo ela sabia que o mundo não era pequeno e que o seu umbigo não era o centro dele.
Não ficava feliz nas compras, ou nos shoppings a menos que fosse para comprar um presente ou para ver pessoas, mas sim, nos lugares calmos onde pudesse apreciar natureza, jardins, pessoas tendo suas vidas, tomando café, conversando, bebericando, rindo.
Dora envelheceu, como todo mundo. Agora sua vida era bem mais calma. Aposentados, ela e o marido viviam vida simples mas com necessidades atendidas e pequenos prazeres, como o vinho de todas as noites. Durante o dia, o marido ocupava-se com andar pelo condomínio em busca do que estivesse errado para poder pensar em soluções - era seu modo de cooperar com o grupo social do qual fazia parte. Era também seu modo de construir com sua crítica algo melhor, como ele mesmo dizia. E como encontrava muitas coisas erradas, mantinha-se ocupadíssimo. Por vezes divertia-se a criticar, provocar as pessoas, fazê-las compreender o quanto tudo estava errado! Dora por sua vez, cuidava de suas próprias coisas, escrevia, organizava a casa - desde sempre pensara que ela, a casa, era uma extensão de seus donos e deveria ser um lugar agradável de se viver.
Durante o dia então, cada um fazia suas próprias coisas e ficava no seu mundinho, mas ela, entrava no mundo dele, levava cafezinho ao marido ou o ajudava com o computador sempre que ele precisava de sua ajuda.
Nesta noite Dora estava sozinha e ele demorava-se a pegar assinaturas para certas providências. Em frente ao computador, levantou-se e começou uma dança tímida, ao som de Ray Conniff. Ah! quem resistiria a isto? Que bom ter passado para o computador este CD de músicas, que delícia deixar o corpo lembrar de como era bom dançar.
Dançar é bom, aliás, em qualquer idade, o corpo se alegra, pensou. E ela não podia desperdiçar pequenas alegrias. Amanhã, quem sabe onde estaria? Poderia não poder nem mais dançar. O marido chegou. Cumprimentaram-se rapidamente. Ela o chamou:
- Vem, vem dançar um pouquinho comigo...olha só o que encontrei...
- Não dá, não tenho mais idade pra isto.
- Ué, se sou eu que tenho dor no corpo e estou dançando! Faz bem, só um pouquinho, vem! lembra destas músicas? Mas já falava sozinha. Ele respondeu lá da sala que precisava ver as notícias que não vira mais cedo.
- Mas você fica o dia todo procurando o que consertar lá em baixo e não tem um tempinho pra dançar comigo? Reclamou da maçaneta do banheiro que estava quebrada há dias e de como ele criticava tudo que estivesse por fazer lá no condomínio. Ao que ele respondeu que ela só estava querendo ser chata. Ficou azeda. Teve vontade de sacudi-lo, mas não adiantaria. Ele era assim mesmo, pensou. A vida nos escapa, não temos mais prazeres comuns e ele não percebe.
Foi à cozinha, pegou seu copo de vinho, delicioso por sinal, e voltou para o quarto. E dançou sozinha mais algumas músicas. Sozinha não! Dançou com um sonho, uma lembrança, um desejo. E mais uma vez perguntou-se porque se achava assim uma mulher de tanta sorte!
 Por que Deus fizera mulheres precisando de homens para se sentirem completas e vice versa? Pensou que só quem já sentiu amor, só quem já amou de corpo e alma podia sentir tanta saudades assim deste sentimento, desta sensação de completude. Só quem já pode alguma vez e por amor, sentir-se tão corajosa e forte diante de qualquer dificuldade, quem já foi apaixonada pela vida, podia sentir tão grande desejo de o experimentar novamente. Porque para ela, a vida sem as pequenas alegrias do amor, não valia nada. Amar era o que a fizera sempre sentir-se livre. Quando você ama, nada a aprisiona, pensou.
E assim, para continuar a conviver bem com aquele que se tornara tão apegado às suas próprias vaidades, que se tornara grosseiro e intolerante com todos, aquele que desde há muito tempo parecia ir buscar longe o que lhe valeria o esforço da conquista e no futuro a motivação de sua atenção, ela fez como ele. Tornou-se igual a ele. Traiu o presente. Traiu o marido e foi buscar longe, no pensamento, algo que valia a pena. Lembrou de alguém que, apesar da dor de ter sofrido grande perda, maior do que as que seu marido sofrera na infância, tinha sabido ser gentil com ela e, num dado momento, até a incentivara. Como esquecer? Alguém que, apesar de sua perda não estivera centrado só em si mesmo, por certo serviria de inspiração para outros. Contudo, ao terminar a dança e o vinho  lembrou-se : o sonho servia para a inspirar ou apenas para a consolar por momentos. A vida se faz de momentos vividos mais do que de sonhos. Pegou um livro para ler e acalmar os ânimos. Amanhã, pela manhã, seria mais uma vez, um bom dia para recomeçar.... recomeçar a viver sem se deixar amargar. Buscar o sentimento, o momento de sentir amor, para sentir-se liberta, para sentir o quanto a vida vale a pena... apesar dos sonhos frustrados.
foto e texto: vera alvarenga

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Sonhei que o mundo ia acabar e me coloquei em segurança...

  Esta madrugada tive um sonho...
Estávamos numa emergência! De alguma forma se sabia que o mundo, como conhecemos pelo menos, ia acabar!grandes mudanças iam ocorrer ou sei lá o que! Então, algumas pessoas, como eu, se viam de repente dentro de uma nave, um disco voador do tamanho de um enorme salão. Tinha piso mas desde a altura da cintura e toda a parte de cima era feita com uma película finíssima mas resistente, transparente como vidro, que nos permitiria ver tudo mas nos protegeria ao mesmo tempo que deixaria entrar o oxigênio purificado. Beleza de solução, apropriada para sonhos! para os meus sonhos, que nunca são totalmente catastróficos à primeira vista. Se parte do mundo ia acabar, ali estaríamos a salvo!
 Então eu soube que dentro dele ficaríamos até tudo estar seguro novamente e podermos voltar para nossas vidas. Só que, por uma fatalidade daquilo que, de sonho passa num instante a pesadelo, alguém apertou algum botão errado e sobre minha cabeça começou a fechar-se tudo. Eram 2 portas arredondadas como cabe a um disco voador, de pesado material, da cor verde e que fechou tudo impedindo a nossa visão. O fato de ser da cor verde trazia conforto, porém não resolvia tudo. E por instinto soubemos que, quando acabasse o nosso tempo de puro oxigênio ali dentro guardado, o nosso mundo iria acabar para nós, não importando mais o que ocorresse lá fora....Incrível, estávamos trancados naquilo que deveria ser nossa salvação! ìamos morrer sufocados!( bem realista meu sonho afinal de contas, porque o mundo acaba, de uma forma ou outra, para cada um de nós quando não pudermos mais respirar!)
 Meu sonho terminou no momento exato em que sentia tristeza e uma grande perplexidade diante de duas coisas que, para mim, significavam a maior perda real: - meu Deus! não poderei "ver" mais nada do mundo ao meu redor? e nunca mais fazer amor? nunca mais amar?
   Acho que se não acordasse naquele momento teria chegado à mesma conclusão que reforça o que norteou minha vida.... O que te dá a sensação de segurança e liberdade...é poder sentir o vento ao olhar pra longe e"ver" o que há adiante, seja nos horizontes ou ao redor e, acima de tudo, poder amar! Ou ainda...é poder amar e ainda olhar o mundo ao redor!
  Só nos sentimos realmente condenados a uma prisão que nos limita quando, não podendo olhar para longe nem sonhar o amanhã, também não tivermos junto a nós, o nosso objeto de amor, aquele que nos faz capazes de amar e de enfrentar tudo hoje!
  Contudo, sonhos sempre tem mais de uma interpretação...
Foto e texto: Vera Alvarenga

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Minha bailarina predileta!

 E tudo começou logo na entrada da casa de meus
netos, quando minha neta me perguntou:

- " Vó, sabe por que estou assim maquiada?
   Porque hoje sou uma japonesa!"

Logo depois fomos ver sua primeira apresentação
como bailarina....
Ah! lembrei quando eu era ainda menor que ela e meu sonho era ser bailarina. Contudo, naquele tempo não havia tantas boas academias de balé como hoje e nenhuma próximo à minha casa.

Minha mãe trabalhava no centro ao lado do Municipal. Se eu quisesse mesmo estudar balé, ela teria de me levar, antes do trabalho, mas...e depois?

Como eu faria para vir para casa a fim de frequentar a escola?

Então eu dançava sozinha, e imaginava, e rodava,
e rodava... sonhos de criança.

Quem diria que eu veria minha neta dançar?



E eu tive o prazer de assistir sua primeira apresentação!
E em um Teatro!

Maravilha! Ainda pude fotografar!

Foi mesmo um prazer e grande alegria.






Minha querida neta...você estava sim parecendo
uma japonesa....rsrs......

E estava linda!

Que delícia vê-la dançar!
Seu irmão estava ali do meu lado...você sabe, ele estava um pouco agitado, perguntando se a apresentação ia demorar muito...rsrs.....
mas quando você estava dançando, ele e todos nós, ficamos muito orgulhosos de você.

O que é isto? Uma aquarela de algum pintor famoso??? Na verdade, foi um projeto de Deus, viabilizado por Robson e Lika, cuja foto foi aquarelada por mim...rsrs.....

Beijo, minha querida criança... e que você tenha tempo e oportunidades para sonhar... desejar... construir os passos de sua dança em seu ritmo... e finalmente e alegremente realizar muitos de seus sonhos!
E que também possa ver, como eu, sonhos realizados pelos que você ama... é uma forma delicada de também encontrar momentos de felicidade e realização.

Fotos: Vera Alvarenga.

terça-feira, 16 de julho de 2013

A visão de um artista...

 
  Eu também sonhei que tive uma visão. Ela me olhou de frente, olhos nos olhos, e me deu a mão.
Então me tomou em seus braços e me senti pequena, confortável e segura. Depois transformou-se numa ave com asas quebradas. Em seguida chorou, e fui eu que a abracei. E ela se tornou pequena, confortável e segura. Cuidamos uma da outra até que ela cresceu, e cresceu, frente a meu olhar. E eu a vi transformar-se numa ave formosa que voou, lá para o horizonte onde um arco-íris meio apagado tentava brilhar. Quando ela pousou nele, suas cores ficaram fortes e reais.
  Ainda tenho a visão desta ave quando me sinto triste ou ameaçada no que sou. É apenas uma visão, mas posso vê-la quando preciso me sentir bela e viva como as cores do arco-íris. E lembro de abraçá-la quando temo que tenha se machucado. Lembro-me dela também nos momentos em que estou muito feliz.
  Voltei a rir de mim mesma por me encontrar assim, num episódio melodramático, em que tristeza e beleza coexistem, como antes na literatura romântica.
    Embora sinta uma tristeza imensa por saber que não passa de uma visão, e me pergunte por que eu tive aquele sonho, reconheço que o mundo ficou melhor depois disto.
   Não, com certeza para alguns, não é proibido sonhar...
Texto e foto: Vera Alvarenga
Inspiração... a vida e Manoel de Barros.

"Aprendi que o artista não vê apenas. Ele tem visões. A visão vem acompanhada de loucuras, de coisinhas à toa, de fantasias, de peraltagens. Eu vejo pouco. Uso mais ter visões. Nas visões vêm as imagens, todas as transfigurações. O poeta humaniza as coisas, o tempo, o vento. As coisas, como estão no mundo, de tanto vê-las nos dão tédio. Temos que arrumar novos comportamentos para as coisas. E a visão nos socorre desse mesmal."
 - Manoel de Barros




segunda-feira, 29 de abril de 2013

Alguns sonhos são assim...

Alguns sonhos a gente sonha sozinho.
Como o abraço que braços estendidos não conseguiram alcançar, como o grito no deserto que não teve eco, como linhas paralelas que nunca puderam se encontrar.
Às vezes são sonhos tão bons que a gente deixa ali, ou são eles que ficam colados no peito, como o reflexo no lago... uma imagem mais bonita de nós mesmos que um dia quisemos resgatar.
   Porque então, teria sido possível um recomeço de uma vida onde liberdade seria poder amar e ser o que se quer ser, sem motivo para desconfiar. Como poder dançar sobre o fogo sem se queimar, quando aquele que nos ateia fogo é o que também renasce de cinzas.
 
No início dói como ferida que demora cicatrizar. Com um certo heroísmo despretensioso, não nos deixamos anestesiar.

Depois de um tempo a gente deixa vir à tona, como lembrança nostálgica de uma bonita visão numa manhã azul de verão...

Foto e texto: Vera Alvarenga

segunda-feira, 1 de abril de 2013

O milagre de cada dia...

 
   Às vezes, do nada, ela se lembrava de um momento que parecia ter sido um sonho. Desta vez, lembrou-se daquele pássaro amarelo que um dia, chegou tão próximo a si, que quase pode tocá-lo. E ele parecia ter alma. Olhou tão fixamente dentro dos olhos dela que, por este olhar, ele a conheceu, e também ao seu segredo. Naquele momento, eles se conheceram e pertenceram um ao outro, eram da mesma natureza.
  Naquele dia, ela caminhava sobre uma pequena ponte e pisava como se fosse em ovos no ambiente que pensava pertencer a ele.  Entre as árvores seguia atenta e cuidadosa como se não quisesse, com gestos inesperados, invadir seu espaço, assustá-lo. Logo, porém, se deu conta. Sentia-se tão bem que sabia estar no lugar ao qual pertencia sua própria natureza livre e sensível. Adorava estar em lugares onde podia se deslumbrar, e ser a parte mais simples do que era. Amava aqueles recantos de sombra onde os tons de verde misturavam-se com os de terra e a água refletia o azul do céu, virava espelho e duplicava as imagens, onde podia libertar sua calma interior que exalava de seus poros e harmonizava-se com o ambiente que a cercava sem contudo, a limitar. Ao contrário, nestes momentos sua pele parecia dissolver-se e ela sentia que fazia parte de algo maior. Ali podia ser como gostava de ser. Podia entregar-se ao milagre que ocorre uma vez ou outra, na vida de cada um. Foi quando pensou que aquilo era bonito demais para pertencer somente a ela. Estar ali sozinha, teria sentido?  Desde há muito tempo ela era assim. Por vezes, se desejava que alguém mais estivesse com ela, não era porque conscientemente temesse a solidão, mas porque esperava que alguém mais pudesse compartilhar com ela daquele bem estar. Era quase como deitar-se ao lado de alguém logo após desfazer-se em prazer no ato de  amor. E então, ao sentir que sua pele se fechava novamente em torno de sua individualidade, poder olhar nos olhos do outro e ter a certeza que ambos tinham estado no mesmo lugar. Embora o prazer fosse, de fato, algo individual, para ela, partilhar era mais que dividir, era ampliar, perpetuar, tornar possível o milagre da multiplicação.
   Tinha a exata noção de que era uma pessoa de sorte. Sabia das guerras, das perdas e das mortes. E da solidão dolorosa para a qual cada uma destas coisas nos remete. Todo ser humano deveria poder experimentar o paraíso, descobri-lo ao alcance das mãos. E se conseguisse, mesmo que por alguns segundos, seria bom compartilhar em cumplicidade. Por isto pensou nele. Ela queria que ele estivesse ali também e pudesse respirar aquela atmosfera...
   Uma outra vez, numa viagem a um lugar maravilhoso de retiro espiritual, teve uma experiência deste tipo.  E foi tão intensa que ela voltou antes do tempo para o lado do homem que amava. Não pode aguentar estar num lugar tão fantástico sozinha. Simplesmente não  fazia sentido! Não se importava com explicações psicológicas, apenas queria contar a ele o que viu. Contudo, ele era de outra natureza, pensou que ela tinha voltado com a intenção de ver se ele a estava traindo! Naquele tempo, muita coisa, para ela, começava a não fazer sentido! E ela tinha esta sede de compartilhar.
 
  Foi quando aquele pássaro pousou a poucos passos de distância e o encontro se deu. Se ela entrou ali pisando em ovos, saiu caminhando nas nuvens, sonhando que um dia poderia compartilhar estes momentos fugidios nos quais o tempo se dissolve junto com os limite,s e a gente pode experimentar algo mais intenso, com asas de liberdade.
   Sim, ela sabia que era uma mulher de sorte, tinha de ser grata por ter tido, de um modo ou outro, oportunidades até aquele momento...

Foto e texto: Vera Alvarenga.
    

sábado, 3 de novembro de 2012

Levando flores para quem não está mais lá...

     Como tanta gente, tive sonhos, desejos, vontades. Vontade, dá e passa! Assim aprendi. Mas sonhos? não eram por coisas que eu não tivesse e quisesse vir a ter. Era mais um desejar melhorar ou resolver uma situação em que me encontrasse provisoriamente e não me agradasse. Junto com o desejo de transformar as coisas, também a noção precisa de que deveria ter uma vontade firme, visualizar a solução, arregaçar mangas e ir de encontro a ela. Primeiro com o pensamento, em seguida, com o verbo. Ah! mas sempre o pensamento vinha antes.
   Visualizar antes, era construir primeiro no mundo das idéias aquilo desejado - depois, era o sonho a ser realizado. E, se não o fosse, não deixava no coração marcas profundas, porque raramente desejava o que não podia ter. Desde adolescente, eu vivia no agora. Ainda que o presente significasse não estar verdadeiramente tanto no mundo físico mas no mundo das minhas idéias, sensações, emoções. Outra forma de estar presente era criar - uma canção, poesia,artesanato. E entrava nesta ação por inteiro, o que não deixava tempo para pensar no que eu não tinha, talvez porque este mundo de emoções, sensações e criação fosse suficientemente rico. Na verdade, não sei muito bem do que se tratava, apenas era assim.
   Não me lembro de frustrações, nem de grandes sonhos para o futuro. Acho até que não os tinha! Nem frustrações, nem grandes sonhos, nem grandes paixões. Não tive uma paixão não correspondida, a não ser aquela dos treze anos, tão doce, tão pura. Em algum lugar ainda guardamos uma parte de nós que é assim tão terna. Fui, isto sim, o grande sonho de alguém que depois se transformou na minha paixão, e ainda no meu amor concreto e forte, e único por toda uma vida. A partir daí, acho que fui construindo meu primeiro  sonho menos provável, embora não menos nobre - e este, era o de me moldar ao desejo de felicidade de outra pessoa, até que passou a ser o meu próprio sonho. E se era também o meu, dependia de possibilidades que eu criasse. Assim, os que sonham não se encontram no vazio, porque tem muito a fazer!
  Não ter sonhos impossíveis quando menina, não foi uma artimanha inteligente de minha parte para não sofrer, ou não decepcionar-me com o mundo. Era apenas o meu jeito de ser contente com aquilo que me cercava, ou de procurar com minha curiosidade natural, e ao meu redor, aquilo que achava que estava ali mesmo, só não o tinha ainda encontrado. Viver a minha vida como ela era, descobrindo nela os tesouoros escondidos, parecia ser meu desejo natural.
   Talvez minha mãe tivesse razão, afinal. Quando eu já era adulta, disse-me algumas vezes, que  me conformava com pouco. Antes, referindo-se a mim dizia que eu era cordata, serena, dócil. Mais tarde, a mesma paixão pela vida como ela era, passou a ser considerada como falta de ambição. Sem que outros se dessem conta e talvez nem eu mesma de minha pretensão, no entanto, eu tinha uma grande ambição - viver um grande amor, sem desperdiçá-lo, alimentando-o constantemente, sem acomodar-me ou cansar-me, jamais. Não se tratava de algo impossível mas quase! e dependia de comprometimento.
   De qualquer maneira, não me lembro de demorar-me a sonhar com o que estava longe de conseguir. Não! Nunca sonhei apanhar o que não podia alcançar. Não costumava demorar-me por muito tempo, a desejar o que não tinha. E o que tinha era a minha vida, do jeito que ela era. E do jeito que eu era, havia então, sempre muito o que fazer para preencher qualquer vazio que ousasse surgir.
   Me pergunto - como poderíamos, afinal, desejar o que não fosse a própria vida do jeito que ela é? Onde encontrar tempo além do que dedicamos a ela e ao garimpar pepitas naquele conhecido solo sagrado?
   Como se pode sentir falta de algo que estava em um sonho ou saudades de quem nunca fez parte real de nossa vida? Talvez, então, vez ou outra e de tão cansados de não sonhar nada tão grandioso, tenhamos logo sonhado o mais inalcansável, a derradeira esperança, o amor impossível?! Como poderíamos deixar uma saudade crescer dentro do peito e nos abater tão inesperadamente, cada vez que nos defrontamos com um espaço vazio, no tempo da maturidade? Por que este descontentamento divino nos faria lembrar daquele sonho que dissemos que nunca teríamos?
   Por que lembrar dele ?  Porque lembramos de nossas perdas e sonhos também o são! E dói,como em dia de Finados levar flores ao ser amado que já não está mais lá. Mas é nossa maneira de prestarmos homenagem a um amor tão simplesmente puro, e doce, e belo, e grande...
   É...nunca tive sonhos, desejos impossíveis... tinha sido sempre assim...
   E como a vida não nos deixa passar incólumes na presunção de que nos safamos para sempre de algo que deixa marcas ou vazio profundo... hoje eu sei, tive então, minha cota de impossibilidade e perdas que realmente me importaram, e bem numa idade onde não nos deixamos importar com qualquer bobagem. E continuo, nem sempre com a minha costumeira serenidade, a tentar explicar a mim mesma o inexplicável, a tentar compreender como me deixei pegar assim, tão desprevenida,em três momentos da minha vida e todos na maturidade, nos quais sonhei encontrar nos olhos de pessoas diferentes, o amor como o que eu, naquele momento, sentia e desejava...aquele que parecia inadiável para resgatar o significado do passado, pacificar o presente e acomodar um futuro... e aconteceu na maturidade, talvez porque seja neste tempo que colhemos os últimos frutos e de uma maneira mais consciente aprendemos a ver mais claramente nossas reais necessidades... Na maturidade, o que pensamos que tínhamos resolvido com nossa excessiva complacência por nós ou pelos outros, ou deixando pra lá, vem nos assombrar, até que, enfim acabamos por seguir pacificados ou finalmente rendidos ao tempo.
foto e texto: Vera Alvarenga.   

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

O tempo traz, o tempo leva tudo!

   Era uma vez uma senhora quase bem velha, que já fora uma mulher e também uma jovem e antes disto, uma dócil menina. Menina já não era há muito tempo, mas desta ainda trazia em si o olhar curioso, a esperança de que as portas do mundo lhe fossem abertas um dia, e ela pudesse, sem medo, habitar nele. Da jovem, tinha certeza, vinha o inconformismo diante dos que, em grupo e por serem iguais, julgavam tudo o que não estava estabelecido e todo aquele que não caminhasse com igual passo carregando consigo iguais medidas para medir o mundo, como algo ou alguém que devesse ser rejeitado ou desconsiderado. Desde bem cedo aprenderam, a menina e a jovem, que era perigoso perguntar ou ousar ser diferente. Caminhavam, no entanto, sem atropelos a jovem e a menina, com a convicção dos que aceitam prontamente o que estivesse estabelecido, desde que se lhes fossem dados argumentos convincentes. Mas ambas guardavam sua docilidade e com olhos de esperança e deslumbramento olhavam o mundo ingenuamente. E se tornaram mulher.
   Sua docilidade transformou-se em mansidão, e submetia-se ao seu próprio desejo de agradar a quem amasse, mas jamais deixou de ser apaixonada e de viver por convicção - convicção de que haveria um significado maior para tanta coisa sem sentido. E a mulher apesar de mansa, e meiga ou suave, e acima de tudo crédula, persistente em seu desejo de crer que o mundo podia ser uma extensão de seu quintal, também podia ser forte, e corajosa e resistente. A mulher tinha fé e cada vez mais tornou-se decidida a ser leal à sua própria crença de que os significados estavam lá, mesmo que não pudessem ser a ela claramente revelados.
   Ela resistia como guardiã, aos reveses do tempo. Um dia, veio um vento forte e mais insistente que seus próprios argumentos, e finalmente quebrou as janelas, arrancou as cortinas e abriu as portas de sua casa. Parecia-lhe que nenhum canto mais podia ficar na penumbra. O vento era constante e a luz que entrava era dura, quase cegando-lhe a visão, a poeira voltava a sujar os cantos que, por sua também persistente mansidão ela ainda arrumava caprichosamente e com gosto. Sua casa ainda era o seu lugar de aconchego e ela nunca desistia de conservá-la de modo a afastar os bichos ou sujeira que vinham pelos portões abertos do mundo. E foram assim envelhecendo, numa missão que ela pensava fosse de maior amor, embora já não cantassem mais de alegre inocência, aquelas que em si ainda eram a jovem e a menina de outrora. Ela tornou-se tristonha e cansada, sem ânimo para seus antigos ou novos projetos. Nos espelhos de sua casa, já não se reconhecia. O cansaço que tomou conta de si e não era físico, embora depois sim, deixou-a confusa. Todas elas, a menina, a jovem, a mulher e a que envelhecia estavam exaustas, exauridas de sua antiga força que antes as sustentavam a todas, numa estrutura coesa e íntegra. Ela já não era mais um todo. Estava aos pedaços. Talvez porque sua capacidade de amar tivesse sido comprovada, mas o argumento, o significado que antes a mantinham em pé, tivessem se diluído. E ela se diluía com eles. Confusa. Não havia explicação racional para o que ocorria.
  Mais uma vez o tempo trouxe o vento. E este veio do norte e, como brisa lhe refrescou a pele. Desta vez, lhe trazia o cheiro da grama e de pétalas de flores junto com as últimas folhas do outono e do inverno que findavam. A luz do sol era dourada e agradável. Tudo parecia renascer em sua alma e no seu quintal. E ela ouvia o canto de pássaros.
  A velha lembrou-se que um amigo, certa vez, dissera que o tempo leva tudo. Inconformada e sabendo que haviam coisas, como o amor que aconchegara no peito por quase toda uma vida e à toda prova, que o vento não levava, não quis aceitar.... Tal argumento era para os que não tinham, talvez, a sua persistência e a sua fé. Foi o que ela pensou naquele momento em que, ao mesmo tempo que tinha total conhecimento do amor maduro comprovado e já indelevelmente marcado em seu coração, tinha também e ao mesmo tempo o desejo de realização de si mesma e de um sonho que agora, era o seu. E esta realização,desta vez, não viria principalmente através do amor que era capaz de dentro de si mesma para um outro e para sustentá-la, mas viria também, como um presente e surpresa já não esperada, de fora, de um outro para si. Era como se a Primavera que se atrasara, tivesse chegado enfim, com aquele vento brando à sua janela. A Primavera estendia-lhe os braços ofertando-lhe o mais belo ramalhete de coloridas e perfumadas flores. Devia ser um milagre! E seriam bem vindos, este e a Primavera, mesmo fora do tempo.
   Ah, o tempo! Mas o tempo leva tudo! E a senhora, a desta história, enfim envelheceu levando consigo o amor dentro do peito, aquele que foi o argumento que a sustentou por tanto tempo e, ao lado deste, agora, o sonho, aquele que tinha parecido trazer em si finalmente, toda a possibilidade, todo o significado....
 foto e texto: Vera Alvarenga
          

sábado, 28 de abril de 2012

Sôbre voos e liberdades...

 Somos seres sociais. Alguns mais, outros menos,mas todos dependemos uns dos outros e de nossa possível convivência.
Vivemos entre tantos.Como bandos, caminhamos ao lado de muitos, por vezes na mesma loucura em meio à corrida contra o tempo.
Contudo, somos solitários na dor e nos sonhos.
Evidentemente podemos ser solidários, na dor. E os sonhos, podemos tentar compartilhar, tentar levar conosco alguém que ansiamos possa ver a mesma beleza que vemos nas cores daquele arco-íris, ou ter as mesmas visões que tivemos em nossa meditação.
- Então, você pode vislumbrar como será maravilhoso?! Dizemos ingenuamente, quando encantados.
Algumas vezes encontramos resposta de quem  entra em sintonia conosco. Nos acompanham, alguns,outros seguem paralelamente, porque seus sonhos se assemelham aos nossos ou porque se encantam com a luz que brilhou em nosso olhar.
Aquela visão, porém, aquelas cores, são o nosso sonho, é o nosso desejo, estão ligadas à nossa experiência individual e única de meditar em meio ao burburinho da vida em sociedade, no meio em que estamos inseridos.
 Sim, para diminuir expectativas é preciso compreender que o sonho é de cada um! Contudo, não devíamos esperar de nós mesmos que apenas deixemos que cada um "fique na sua", porque, para quem voa ou sonha, ou tem uma visão, é quase impossível não desejar compartilhar... a menos, é claro, quando, como muitas vezes acontece,a alegria por experimentar tal liberdade ou talvez desejo, se apaguem vencidos  pelo insistente desejo contrário de manter tudo da forma que está. E esta é uma tendência do bando, e de nós todos. Sonhar, refletir, e então meditar para depois ir em busca da realização, ou mesmo somente buscar manter a ligação que possamos ter com o que somos no íntimo, requer fé, dá trabalho, exige disciplina, compromisso, dedicação e perseverança. Eu me acovardo, muitas vezes, mas a despeito de tudo, resisto.
Há vôos especiais, destes nos quais quase podemos tocar estrelas! Quando os tivemos, nosso corpo e alma pedem que se repitam. Por isto, mesmo quando a vida muda os cenários e quebra uma de nossas asas, ainda esperamos a cura para transformar o que temos, num novo plano de vôo.
Como seria bom termos sempre companhia!
Seria ideal diminuirmos nossa expectativa, sem contudo apagar o brilho dos nossos gestos espontâneos. Como fazer isto? No mais, compreendendo assim este aspecto da vida, finalmente não me sinto mais em  solidão, como tantas vezes antes. Eu a recebo e reconheço como pano de fundo numa cena em que ela é mais estrela do que eu, faz parte de mim, e se torna fundamental num e outro ato, no palco da minha vida.
Já não me assusto por gostar tanto de voar neste cenário, embora reconheça minha dependência total do convívio com meus pares. Sei que posso ir e voltar, sentir o vento e pisar na terra, rir e chorar, aceitar meu direito e meu avesso.
Fotos e texto: Vera Alvarenga

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

" O Mago e o inexplicavelmente real..."

Num campo de alfazemas, as mulheres colhiam as flores que mais tarde seriam transformadas em poções aromáticas ou de cura... Conversavam muito entre si.
Uma delas, mais quieta, trazia no olhar uma lágrima contida há algum tempo.
A observá-la, duas mulheres mais velhas conjecturavam:
- Você viu? está assim novamente. As vezes sorri, como se estivesse lembrando algo bom, e de repente, fica com  olhos brilhando como se fosse chorar...
- Estará doente ou apaixonada? ou será algo impróprio, uma dor talvez...
- Quando lhe perguntei o que tinha, me disse : - Ontem recebi um presente. Hoje tenho saudades e esta dor no peito!
- Só pude rir, não é mesmo?
- Ah, é frescura, então!
- Aconselhei-a a procurar Maestrus, o mago, ainda hoje, pois não é mais a mesma mulher, eficiente como era. Ele dará um jeito! Vai curá-la.
E assim, no fim do dia, lá estava ela, no alto da colina, junto ao Mago que acabara de meditar. Ele sabia que ela viria. Assim que se aproximou, ele já pegou em seu bolso o vidro e o estendeu para ela.
- Aqui está. É amargo, mas vai colar seu coração partido.Ninguém pode viver com o coração assim dividido!
- Não sei se é isto que preciso. Meu coração está num só lugar, que não pode estar. Meu corpo é que parece estar em outro. E me sinto culpada porque não sei resolver isto.
- Pois dá no mesmo. Bem, então você tem um tipo de fome que...hummm... tome este! E pegando no outro bolso um vidro menor, o mago lhe disse que em pouco tempo ela veria a realidade com mais clareza e não seria mais atormentada por sonhos e ilusões. Vai voltar a ser a pessoa eficiente que todos apreciavam.
- Mas, então este líquido que me dá é como "água com açucar"... já estou cansada disto. Por alguns dos últimos anos foi o que me deram. Isto não me cura, é placebo, efeito é passageiro..isto sim é uma ilusão, não tem consistência, não alimenta de verdade!
- Ahah! então mulher, está querendo me ensinar meu ofício? Eu não queria chegar a este extremo! mas aqui está! E, de seu peito tirou um minúsculo vidrinho. Abrindo a tampa, ordenou:
-Tome tudo de uma só vez. É de sabor adocicado no início, depois queimará você e tudo o mais por dentro através da garganta até o coração, mas em segundos vai curá-la de vez! Você verá a verdade do que é realmente possível. Então, deste exato momento em diante nunca mais terá falsas ilusões sobre qualquer desejo que te faça crer que realizado, saciaria sua fome! Nem sentirá culpa, pois isto destruirá a visão distorcida que tem sobre a vida e o amor! Decida-se, pois em um minuto, esta potente poção se transformará em fumaça e não poderei mais ajudá-la.Tome-a !
Ela olhou fixamente para o Mago e lhe disse:
- Não! O que isto destruiria é a coisa mais bonita que me aconteceu em muitos anos! É apenas um sonho, mas de algo que seria mais real, se pudesse realizar-se, do que você, bruxo velho!
Determinada virou as costas e se foi, pisando duro na terra, para provar-lhe o quanto era decidida. Contudo, alguns passos depois, deixou-se quase flutuar no ar! E aquele olhar meio distante, e o sorriso meio idiota, meio doce, voltou ao seu rosto.
E o Mago sorrindo, abriu imensas asas prateadas e como um anjo, voou para a imensidão dos céus:
- Por enquanto, está curada! Ainda aceita o presente de amor que lhe dei...

Texto: Vera Alvarenga
Foto:  imagens  do Google.

Clic para compartilhar com...

Compartilhe, mas mantenha minha autoria, não modifique,não uso comercial

 
BlogBlogs.Com.Br
diHITT - Notícias